quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Mudança

Este blog está em novo endereço: http://formasdodizer.blogspot.com/

domingo, 25 de janeiro de 2009

árvore de ouro

Lá estava a árvore que pareceia haver sugado toda a luz do sol; luminosa, féerica, promovendo sozinha a primavera. O rapaz inventou logo uma teoria, segundo a qual aquela efusão de folhas de ouro eclodira quando pelos galhos passara o vento no qual vagueia a alma do rei Midas...


Foto: adriana alves - local: zoo - sp
crônica josé carlos de oliveira

sábado, 24 de janeiro de 2009

escolha

É simples, mas o quintal é maravilhoso. Vamos morar aqui. Foi assim que a minha mãe cumpriu a missão que lhe foi destinada. Escolher a casa que iríamos viver.
No quintal pés de manga, mexerica, goiaba, laranja e jambo cresciam frondosos, em harmonia, servindo em alguns momentos de palco para brincadeiras, em outros como rota de fuga de temidas chineladas.
A casa tinha um alpendre apoiado por três estruturas: uma verde, a outra azul e por último a vermelha.Tons que, eu e minhas irmãs, adotamos como prediletos. Cabendo a cada uma delas uma cor. Vasculantes entreabertos levavam olhares curiosos dos vizinhos da direita à nossa cozinha. Nesta parte não havia muro, a própria parede da casa é que separava nossos quintais. Foi assim por muito tempo.
Mais tarde houve mudanças, ganhamos mais um quarto, uma sala e área usada para lavar roupas foi fechada, sendo transformada na cozinha e a antiga deu lugar a copa. Uma outra novidade foi a construção da garagem. O terreno ficava abaixo do nível da rua e ela foi projetada para que abrigasse o carro na parte superior e na parte de baixo as tralhas da casa - um porão. A parte de cima nunca foi terminada, o que se transformou na tormenta da minha mãe.
Quando o portão era aberto pelo meu pai para guardar o carro, um silêncio imperava na casa. Bastavam poucos segundos para identificar se ele estava tonto. Minha mãe corria para o banheiro. Começava a dar descarga para não escutar o barulho do carro caindo da garagem.
Ele descia a rampa, entrava em casa cambaleando. Era sempre assim, depois de passar horas no boteco tomando pinga com os amigos.
Jeito quieto, franzino, olhar severo. Transformava-se. Chegava falante, tinha um tique nervoso. Piscava incessantemente. Repetia o mesmo caso duas, três, quarto, cinco vezes ou até a exaustão.
Ficávamos alí, mãe e filhas, escutando, numa apreensão sem fim. A qualquer momento um olhar, uma resposta que não foi dada, qualquer coisa poderia desencadear o caos. A mais velha pensava que tinha obrigação de fazer com que tudo terminasse bem. Que ele fosse acometido pelo sono e descansasse ali mesmo no sofá.
- Pai, quer um copo de leite? Posso tirar seus sapatos?
Tudo na tentativa de agradá-lo. Talvez assim, ele não ficasse bravo.
Um facão tirado debaixo do tanque surgia. Queixas e ameaças. Choro e pedidos que tudo que tudo terminasse eram as respostas.
A mãe pedia e muitas vezes apanhava, baixinho.
- Os vizinhos vão escutar!
Sem saber como a discussão foi iniciada, ele achava estranha as súplicas das crianças. Começava a indagar:
- Leuse, por que você joga as meninas contra mim?
- O pai gosta de vocês, filhas. Quero mal de ninguém não.
Dormia um sono pesado. A gente escutava o ronco de longe.
No outro dia, poucas palavras. No olhar vergonha e no nosso reprovação.
Um dia vi a mãe pensativa, perguntei o que era. Ela respondeu:
- Em pensar que escolhi a casa por conta das árvores. Não imaginava que dava tanto trabalho. Cai muita folha no chão.

o retrato

Eu quero a fotografia,
os olhos cheios d'água sob as lentes,
caminhando de terno e gravata,
o braço dado com a filha.
Eu quero a cada vez olhar e dizer:
estava chorando. E chorar.
Eu quero a dor do homem na festa de casamento,
seu passo guardado, quando pensou:
a vida é amarga e doce?
Eu quero o que ele viu e aceitou corajoso,
os olhos cheios d'água sob as lentes.

in Bagagem de Adélia Prado. Livros Cotovia, Lisboa, 2002.

domingo, 4 de janeiro de 2009

construção

Desço as escadas rapidamente, mesmo sabendo que se perdesse o metrô não precisaria esperar mais que dois minutos. Por alguns instantes, me distraio pensando na correria da cidade.
Volto a atenção para o ambiente e noto um rapaz segurando uma mala, andando rapidamente de um lado para outro na plataforma. Na outra mão, segurava uma folha. De repente parou, olhou firme em meus olhos, mostrou a folha e disse:
- Leia!
Li e retornei com um olhar questionador, sem dizer nada. Ele ordenou:
- Leia em voz alta!
- Sim, já li. Nós dois sabemos o que está escrito aí. Devo ler isto em voz alta, por quê?
Sem pensar muito, fui falando:
- Talvez o que você escreveu seja verdade, mas é necessário manter o sistema em funcionamento.
Na folha havia uma frase: “Estou indo para meu empreguinho de merda."
Não demonstrou muita preocupação com a resposta e logo iniciou um discurso:
- As pessoas deveriam ter mais dignidade. Não deveriam se sujeitar a míseros salários, a trabalharem de sol a sol, sem o mínimo reconhecimento."
Mudou a expressão e com um jeito doce, perguntou:
- Você quer ir para o paraíso comigo?
- Paraíso? A próxima estação?
O vagão parou, a porta foi aberta, e antes que a campanhia anunciasse o seu fechamento ele já estava ao lado de uma moça. Aparentava mais ou menos 18 anos, com mochila nas costas, cabelos longos e uma carinha de quem acabou de acordar.
Seguindo o ritual, disse:
- Leia!
A moça meio assustada, sem pestenejar, leu. Em seguida, com o mesmo jeito doce, perguntou:
- Você quer ir para o paraíso comigo?
Sem saber o que responder, ficou com as bochechas rosadas, ensaiou um sorriso. Não disse nada.
Percebendo que teria um campo a ser explorado deu continuidade, agora com outras questões e uma ar cada vez mais sarcástico:
- Como você acha que será o mandato do Obama?
Sem obter respostas, acredito que isto era o que menos importava. Continou:
- Sabe onde fica Dubai? Lá está o maior canteiro de obras mundo. Os engenheiros usam Autocad. Você sabe o que é Autocad? O que você faz?
- Estudo computação gráfica.
- Então você sabe o que é Autocad.
A cada pergunta chegava mais perto. A cada aproximação ela tentava se esquivar.
Mais uma parada, mesmo discurso:
- As pessoas deveriam ter mais dignidade. Vocês não deveriam trabalhar nestes míseros empreguinhos...
Não desembarcou no Paraíso. Desceu na estação Ana Rosa, não antes de bater nas costas de um passageiro e questionar:
- E aí, meu amigo! Quantos tijolos vai colocar hoje?
Seguiu caminho.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

esquizofrênico

Tem um cara dentro de mim
que faz tudo ao contrário:
não temo amar, ele se borra
sou esperto, ele é otário
não amolo ninguém, ele torra
acredito em tudo, ele é ateu
sou normal em sexo, ele, tarado
agito sempre, ele fica parado
sou bacana, ele, escroto
quem me faz infeliz e torto
é sempre ele — nunca fui eu.

Ulisses Tavares, “Esquizo”

quarta-feira, 13 de junho de 2007

naquela estaçao


foto: adriana alves, estação da luz - são paulo - brasil
composição: joão donato - caetano veloso - ronaldo bastos

Você entrou no trem e eu na estação
Vendo um céu fugir
Também não dava mais para tentar....
lhe convencer....a não partir
E agora tudo bem
Você partiu...para ver outras paisagens
e o meu coração embora finja fazer mil viagens
fica batendo parado naquela estação...