sábado, 24 de janeiro de 2009

escolha

É simples, mas o quintal é maravilhoso. Vamos morar aqui. Foi assim que a minha mãe cumpriu a missão que lhe foi destinada. Escolher a casa que iríamos viver.
No quintal pés de manga, mexerica, goiaba, laranja e jambo cresciam frondosos, em harmonia, servindo em alguns momentos de palco para brincadeiras, em outros como rota de fuga de temidas chineladas.
A casa tinha um alpendre apoiado por três estruturas: uma verde, a outra azul e por último a vermelha.Tons que, eu e minhas irmãs, adotamos como prediletos. Cabendo a cada uma delas uma cor. Vasculantes entreabertos levavam olhares curiosos dos vizinhos da direita à nossa cozinha. Nesta parte não havia muro, a própria parede da casa é que separava nossos quintais. Foi assim por muito tempo.
Mais tarde houve mudanças, ganhamos mais um quarto, uma sala e área usada para lavar roupas foi fechada, sendo transformada na cozinha e a antiga deu lugar a copa. Uma outra novidade foi a construção da garagem. O terreno ficava abaixo do nível da rua e ela foi projetada para que abrigasse o carro na parte superior e na parte de baixo as tralhas da casa - um porão. A parte de cima nunca foi terminada, o que se transformou na tormenta da minha mãe.
Quando o portão era aberto pelo meu pai para guardar o carro, um silêncio imperava na casa. Bastavam poucos segundos para identificar se ele estava tonto. Minha mãe corria para o banheiro. Começava a dar descarga para não escutar o barulho do carro caindo da garagem.
Ele descia a rampa, entrava em casa cambaleando. Era sempre assim, depois de passar horas no boteco tomando pinga com os amigos.
Jeito quieto, franzino, olhar severo. Transformava-se. Chegava falante, tinha um tique nervoso. Piscava incessantemente. Repetia o mesmo caso duas, três, quarto, cinco vezes ou até a exaustão.
Ficávamos alí, mãe e filhas, escutando, numa apreensão sem fim. A qualquer momento um olhar, uma resposta que não foi dada, qualquer coisa poderia desencadear o caos. A mais velha pensava que tinha obrigação de fazer com que tudo terminasse bem. Que ele fosse acometido pelo sono e descansasse ali mesmo no sofá.
- Pai, quer um copo de leite? Posso tirar seus sapatos?
Tudo na tentativa de agradá-lo. Talvez assim, ele não ficasse bravo.
Um facão tirado debaixo do tanque surgia. Queixas e ameaças. Choro e pedidos que tudo que tudo terminasse eram as respostas.
A mãe pedia e muitas vezes apanhava, baixinho.
- Os vizinhos vão escutar!
Sem saber como a discussão foi iniciada, ele achava estranha as súplicas das crianças. Começava a indagar:
- Leuse, por que você joga as meninas contra mim?
- O pai gosta de vocês, filhas. Quero mal de ninguém não.
Dormia um sono pesado. A gente escutava o ronco de longe.
No outro dia, poucas palavras. No olhar vergonha e no nosso reprovação.
Um dia vi a mãe pensativa, perguntei o que era. Ela respondeu:
- Em pensar que escolhi a casa por conta das árvores. Não imaginava que dava tanto trabalho. Cai muita folha no chão.